Alice de Souza era uma
filha de meu avô paterno - do primeiro casamento dele. Mulher branca, loura do
cabelo cacheado, baixa, rechonchuda, olhos azuis, lábios e rosto incrivelmente
vermelhos. Em parte porque ao meio dia ela costumava rondar os quintais das
casas de Barcelona, juntando restos de comida para alimentar cães e gatos de
rua. Isso sem religião, sem ONG, sem esperar nada em troca, sem porra nenhuma!
Era um dom. E dom vem encomendado por Deus...
Alice - cuja tendência
de moda resumia-se a um simples par de sandálias “franciscanas” e um
coloridísimo surrado vestido de chita, com dois grandes bolsos – para muitos, não
administrava muito bem sua razão total. Parecia que havia a falta de um pequeno
“parafuso”, na cabeça, que ela teve a sorte de deixar em algum lugar. Será que
foi pensando nela quem alguém escreveu que “só os loucos é que são felizes”? Para
ser sincero, eu creio que a verdade é que a sina que trouxe nesta vida, não lhe
permitiu ser compreendida. Era confundida a uma louca. Por razões que
desconheço ela preferiu assumir, e com muita competência, o “personagem” que
lhe impuseram. E assim viveu. E assim morreu... E quis o destino cruel que
partisse deste planeta (com mais de 70 anos), derrotada pela diabetes,
acompanhado de um câncer que a maltratou - e muito - nas dependências do
Hospital da Liga Contra o Câncer Dr. Luiz Antônio, no bairro das Quintas, no
final da década de 1980.
Minha tia, apesar da
vida com dificuldades e limites, cozinhava muito bem. Tinha um tempero único.
Fazia trabalhos artesanais em madeira (tinha muita habilidade em construir
concha, para tirar feijão da panela, feita de quenca de coco seca, baladeira e
outras artes) e gostava de ajudar o próximo. Naquela noite de segunda-feira, 10
de “Santana” de 1961 - em que escolhi para vir a terra cumprir meu sacrifício -
foi ela o primeiro “anjo” que providenciou quase tudo, para que mamãe não me
parisse sozinha. Depois fez “campanha” por agasalhos, leite e tudo o mais.
Quando eu era criança ela sempre tinha “um dinheiro” (algo em torno de R$ 1,00
de hoje) para eu comprar pão doce e refresco na feira do lugar.
Alice adorava comer. E,
mesmo de barriga cheia, ai daquele que não lhe oferecesse, ao menos, uma xícara
de café. “Miserável!” seria a menor frase, dita por ela, para definir o sovina.
Devido a seus problemas de diabetes, era rigorosamente “policiada” para não
cometer excessos. Mas, quando lhe ofereciam alguma guloseima dizia: “Não diga a
dona ‘diabética’ que vô cumer esse doce”. Ou: “Vô entrar nesse quarto escuro e
cumer lá dento pra dona ‘diabética’ não vê”.
E um dia, voltando de
uma longa caminhada nos arredores do município, chegou à casa de um irmão
comentando (a linguagem é lá de “nóis”...):
- Passei na casa di
“Antonhi” de Aru. Tavo cumendo um piru tão gostoso.
- Comesse Alice? –
Perguntou meu tio Agaci.
No que ela respondeu:
- Não! Mas vi o povo
tudo lambendo os dedo. - (fcb/cp)
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