terça-feira, 21 de agosto de 2012

ENOQUE, MEU AMIGO

Procurando fotos da Ponte de Igapó - para ilustrar um texto meu - deparei-me com esta de uma pequeníssima “ilha” cercada pelas águas do Pontengi.

Em 1971 eu conheci aquele que foi meu melhor - e inesquecível - amigo na minha infância: Enoque Zacarias Sales. Morávamos no proletário Bairro das Quintas. Naquela época as crianças podiam brincar livremente nas ruas, sem riscos, e, jogar bola, aos domingos pela manhã era um acontecimento esperando durante toda a semana. Os “campeonatos” eram freqüentes. Mas, confesso, eu era péssimo como jogador. E costumeiramente era “escalado” – a minha revelia - como “gandula”.

Nas Quintas havia muitos campinhos. O nosso ficava em frente à Igreja Nossa Senhora do Perpetuo Socorro. A gritaria era tanta que fazia padre Thiago parar a missa só para nos desejar, em belga, uma vaga no inferno sem direito a estágio no purgatório. Mas, ainda assim fiz minha Primeira Comunhão com ele.
Outras vezes eu ia brincar na casa daquele meu amigo. Jogávamos Futebol de Butão, ou de caixas de fósforos - cortávamos retratos de times e colávamos cada jogador em uma caixa de fósforos cheia de pedrinha para fazer peso. Depois fazíamos uma bola com uma cortiça. Ainda havia a brincadeira com nossos carrinhos, ou de guerra, com soldados e índios do “Forte Apache”.

Enoque fez do seu quarto uma “República Independente”. Todos os dias uma pequena bandeira branca - com um “brasão” desenhado por ele, ao centro - era hasteada. Muitas vezes presenciei a “solenidade” de subida ou de descida do símbolo da sua “nacionalidade”. Impressionante como os jovens têm idéias brilhantes. Ou tinham, naquela época.

Adorávamos assobiar o Hino Nacional Brasileiro. Cada um fazia um “instrumento”. Um tocava uma parte e o outro acompanhava. Como fazem as bandas marciais de verdade. Foi um tempo muito bom. Eu era feliz e não sabia (me desculpem o plágio!).

Meu amigo era torcedor do Alecrim F.C. de coração. Eu torcia pelo ABC F.C., mas morria de inveja dele. Eu queria ser alecrinense. Hoje sou graças a Deus! Mesmo sendo um time “fora de séries”, sinto um orgulho danado do seu glorioso passado. E não saio às ruas sem uma camisa do Clube periquito e o hino na ponta da língua.

Enoque tinha várias irmãs e irmãos. Alguns envolvidos com esportes. Damião era dono do América das Quintas. Cosme, um autêntico exemplar do povo bantu com o cabelo estilo “Tony Tornado”, foi goleiro do “Força e Luz” (também chamado de Cosern por representar o Companhia Energética do Rio Grande do Norte sem sorte!). Gilvan foi durante muitos anos, lutador de Luta Livre. E isso levou um desafeto seu a assassinar, covardemente, Cosme. Para variar o crime ficou impune.
O pai de Enoque era o senhor Euclides. Extremamente ranzinza, não via com bons olhos as brincadeiras dos meninos em sua casa. Era um funcionário da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Cumpria seu expediente no prédio da antiga Av. Rio Branco onde funcionou a EIN – Escola Industrial de Natal. Nas horas vagas gostava de pescar, seguindo a tradição de sua família. Costurava, pacientemente, suas próprias redes de pescas. Um dia construiu sozinho, aquela ilhota - em um dos inúmeros canais do mangue - com uma casinha para guardar suas redes. Fui até lá uma única vez. De canoa, claro!

Em 1978 sai das quintas para morar no Bairro do Alecrim. Foi o fim da minha amizade com Enoque – eu sou do time que acredita que amizade acaba quando cessa a comunicação. Nunca mais revi o meu grande amigo de quem sinto uma imensa saudade.

No último mês de julho encontrei seu irmão Damião. Ele me deu notícias de todos. Seus pais faleceram. Tem um irmão oficial da Marinha, uma irmã médica, um pastor protestante e vai por aí... Há ele algum tempo não vê Enoque, mas, me disse que o mesmo atua na área de panificação.

Quanto à curiosa casinha-ilha de “seu” Euclides - banhada pelas águas do Pontegi - continua de pé. Dentro da maré, do lado esquerdo da ponte- para quem vai saindo de Natal. Não sei que é o novo dono. Só espero que a preserve. Foi feita com luta, suor e muita lama. (FCB/CP)

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