terça-feira, 27 de março de 2012

AMELIA EARHART

Estou lendo aqui no site do Yahoo a seguinte notícia: “Expedição tentará esclarecer morte da mais famosa aviadora dos EUA”. A aviadora em questão é a “gata” Amelia Earhart (1897-1937?). Era uma mulher linda - com um par de olhos profundamente impressionantes e sedutores, e uma boca sensualmente provocante. No dia 2 de julho de 1937 ela - e seu navegador, Fred Noonan (1893-1937?) - foi dada como desaparecida nas águas perto da Ilha Howland, Pacífico Central. Só em 5 de janeiro de 1939 é que foi declarada a sua morte. Mas, nada comprovado até hoje.

Certo dia ensolarado - 7 de junho daquele ano - Amelia desceu aqui em Natal, mais precisamente no Aeroporto de Parnamirim - que viria a ter sua emancipação de Natal em 17 de dezembro de 1958, pelo Decreto nº 2.325, assinado pelo então governador Dinarte Mariz - vinda de Miami. Estava com 40 anos. Os registros dão conta que Amelia foi a quarta mulher a aterrissar na Terra de Luiz da Câmara Cascudo. Na época, na capital norte-rio-grandense - ponto de apoio aos novos heróis aviadores - era comum recebê-los. E a primeira a beber nossa água foi Ann Lindbergh, que pilotava ao lado do marido, Charles Lindbergh - O casal chegou aqui, procedente da África num vôo que começou em Paris, no dia 6 de dezembro de 1932 – descendo no estuário do Potengi. Depois foi a vez de outra aviadora norte-americana Laura Ingalls a 8 de abril de 1934, que vinha do Rio de Janeiro. Em 30 de dezembro de 1936 a francesa Marise Bastié, procedente de Dacar, no Senegal, chegou a nossa cidade. E retornaria mais duas vezes. Dizem que Amelia também se encantou com o nosso por do sol.
Em 1943, quando mamãe contava 10 anos de idade, vovô, o velho Luiz Barbosa de Moura, recebeu em suas terras - próximas as margens do Potengi – o senhor João Oliveira. Vindo de São José do Mipibu, trazia na bagagem sua viuvez e a filha Nazaré. A outra filha, Inez, “foi pras bandas do Sul” (São Paulo), dizia. “Seu” João havia ajudado a construir “Parnamirim Field”. A maior Base Aérea Americana fora dos Estados Unidos. Lá havia, em média, cerca de 6 mil soldados em trânsito para a África. A maioria de americanos, mas também escoceses, ingleses, franceses, entre outros. E foi por sua desdentada boca que ouvi - pela primeira vez - a palavra “americanos”.

“Seu” João herdou muita coisa dos “gringos”. Uma delas foi um reluzente pedaço da lataria de um bimotor que ele transformou em uma flauta doce. Quando criança, eu adorava ouvir tocá-la. Já para o fim da vida – faleceu em 1973 –, com mais de 80 anos e surdo, não tocava mais. Foi uma grande perda para mim. Ele que foi uma das primeiras pessoas que eu aprendi a amar e a reverenciar. Lembro que certa vez, em 1971, fomos comemorar os festejos juninos em Barcelona. A casa dos meus avós ficava a uns 10 km do evento. Todos nos aprontamos para a viagem – uns iriam a pé e outros a cavalo. Na hora de sairmos percebi que “seu” João não iria - estava muito velho pra caminhar um percurso tão longo. Percorri, no escuro, os 200 metros que separavam nossas casas e fui falar com ele. Enquanto todos me procuravam, nos dois conversamos à luz de uma velha lamparina a querosene. Depois de muita insistência acabei indo com os outros, mas, meu coraçãozinho e os meus pensamentos ficaram lá, com ele. A festa, para mim, foi o que chamamos hoje de “uma droga”.

João Oliveira era analfabeto de pai, mãe e parteira, mas, de uma sabedoria oriental. Muito do que sou, e do que sei, aprendi com ele. Eu, e todos a sua volta. Uma das suas frases prediletas eu jamais esqueci – embora só tenha compreendido na fase adulta - dizia: “a medida do ter nunca se encheu”. Nada mais atual nesta sociedade de consumo e do quero mais, mais e mais... À tarde, ou à noite, era comum a meninada - eu, meu irmão mais velho, primos, seus netos, rodeá-lo para ouvir suas estórias. Uma delas era de um cara que ficou rico vendendo água nas casas, usando uma “roladeira” (barril) puxada por correias presas ao peito do tal sujeito. É claro que eu queria, ardentemente, ser “agueiro” quando crescesse. Lembro bem que em uma tarde, ele preguiçosamente sentado, com os meninos rodeando-o, uma cobra veio em nossa direção. A gritaria foi geral. Meninos correndo para todos os lados da casa. “Seu” João, tranqüilamente, levantou-se e com seu cajado deu umas pauladas na cabeça da peçonhenta. Não preciso dizer que, tendo tornado-se meu herói, o ato foi motivo de meus assuntos por uns dias. De uma paciência franciscana, jamais levantava a voz. Meus avós tinham um profundo respeito por aquele homem de barba branca, um velho chapéu, feito de palha, na cabeça e um cachimbo que nunca sabíamos quando estava aceso. – sempre que vejo fotos do ator americano George 'Gabby' Hayes, penso: "este é 'seu' João americano". Os dois são iguais!
Entre todas aquelas “experiências” por ele vividas, certa noite - creio que eu tinha uns 7 ou 8 anos, e estávamos sentados no batente de cimento, em sua casa de expostos tijolos vermelhos (bem típico no Nordeste), o escuro só quebrado se olhássemos para o céu estrelado – nos contou de uma americana, muito bonita, que “desceu” em Parnamirim “num avião maior do mundo. Depois ela subiu e, dias depois, desapareceu no firmamento. Nunca mais tornou a ‘vortá’”. Para mim, uma criança do interior (sem a magia da TV, do vídeo game e da internet), nada poderia ter sido mais assombrosa. Sim, assombroso! Impactante! Lembro-me que, em meio ao “encantamento” do assunto narrado, a tristeza me abateu profundamente e o medo me invadiu, por ela... Aquela noite tive pesadelo. Fiquei muito inquieto na rede onde dormia. No dia seguinte vovô reclamou: “‘Seu’ João ‘vévi’ enchendo a cabeça desses ‘mininos’ com estória de trancoso, e de noite eles ‘vê’ assombração”.
Nunca mais em minha vida esqueci Amelia Earhart. Anos depois, já em Natal, fui conhecendo aquela história em seus maiores detalhe. Recentemente vi um minucioso documentário no The History Channel, mas nada – nada! - chega perto da Amelia que “seu” João viu e me fez conhecer no colorido de minhas fantasias.


Chico Potengy

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