segunda-feira, 11 de abril de 2016

SE LIGUE!



Esta é a igreja católica de "Bacelona". Foi onde fui batizado, ainda criancinha, pelo padre Pereira. Naquele dia um casal da elite local também batizou um de seus filhos. Hoje eu estava olhado para minha mãe. Está velha, acabada, adoentada e já ficando impotente, sem forças. Sinto uma tristeza danada em vê-la assim. Uma pessoa de muita ação. Destemida. Que enfrentou o satanás em pessoa, que lhe estendeu o pão, por ele amassado, e a fez comer. Mas, ela nunca abriu mão de suas escolhas - embora tenha pagado alto preço... Vou contar o milagre, mas vou omitir os nomes dos "santos", ops, das "santas". Não faz muito tempo, eu estava no Centro Comercial do Alecrim quando vi um homem velho, pele branca, queimada pelo sol, careca, banguelo, olhos verdes. Sem que me visse, olhei admirando que, apesar do desgaste do carrasco tempo, ainda guardava traços de beleza. Pois bem, seu nome: Kleber. Quando chegou a "Bacelona" (em 1964), dirigindo o misto de seu Juvino Guilherme, algumas mulheres da cidade quase "barreram a quenga". Era um jovem muito bonito. Aqueles olhos sedutores fizeram muitas sonhar acordadas. Incluindo algumas "senhoras" casadas. Kleber fazia suas refeições em minha casa. Muito educado. Respeitador. Mas, com a carne fraca e o espírito safado. Não contou conversa, quem se oferecia ele "traçava". "Bacelona" era uma cidadezinha parecida com o "jogo da velha": duas ruas cruzadas por outras duas e uma igreja no meio. Todo mundo se conhecia. Todo mundo! Até os cachorros se conheciam. Mamãe era o que se chamava, na época, "mãe solteira". Aliás, foi preciso Francisco, o papa, dizer que "mãe solteira não é estado civil". Gosto deste papa. Ele é dos meus... A condição de minha mãe era motivo de discriminação e preconceito. Embora houvesse muita gente de bem que gostava dela. Mas, também havia mulheres que viviam de olho e não perdiam uma chance de alfinetá-la. É a tal estória: "Em cidade pequena, a língua do povo é enorme"... Enfim, um dia Kleber chegou de Natal e foi direto jantar no Café de mamãe. Naquela época "Café" é o que hoje chamamos de restaurante. Quando o homem começou a comer, alguém lhe entregou um envelope de carta. Ele jantou lendo a missiva. Ao término rasgou e pediu para mamãe queimar no fogão. Dizem que a mulher enganou o diabo... Ela botou outro papel no fogo (para que o cheiro de queimado fosse sentido lá fora) e guardou a carta. Foi um grave erro. Mas, ela entendeu que precisava cometer aquele "delito". Mas tarde, leu. Era da mãe daquele garotinho que fora batizado comigo. A mulher, depois de uma "ficada", estava loucamente apaixonada pelo motorista do misto. Elogiava o homem do pé a cabeça e dizia que ele a tinha feito se sentir, verdadeiramente, mulher... Havia muita saudade e planos de mais encontros. Duas folhas de papel semitransparente traziam marcas de sua caligrafia. Dias depois um soldado de polícia veio morar na cidade. Aí foi a vez de mamãe se apaixonar. O marido daquela mulher, que morava e tinha um comércio na nossa rua, nunca soubemos a razão, pegou seu jipe, viajou nove quilômetros e meio, até a casa do meu avô, só para enredar que mamãe estava se envolvendo com o policial, que até já havia dormido lá em casa. Meu avô era um homem muito sério. Uma palavra sua era uma assinatura registrada em cartório. Cuidara da filha (a pedido de Teófilo Lopes e Rainel Pereira, líderes políticos da região), depois de ela ter cometido um "erro", não suportaria outra decepção. Foi como uma punhalada nele. Eu não sei como mamãe ficou sabendo, mas, à tarde, ela me pegou pela mão e foi no estabelecimento daquele homem. Eu tinha pouco mais de três anos. Estava com um calçãozinho de xadrez (parece-me que eu tinha uma coleção!), a camisa do mesmo tecido. No comércio estavam, além do dono, três clientes. E foi assim:



- Boa tarde "fulano"!
- Boa tarde Teresinha. "Quéquimanda"?
- Estou lhe devendo quanto?
- Que eu saiba, nada, Teresinha.
- Me dê uma olhada no seu caderno.
- Não, aqui não tem nada no seu nome.
- Então, com qual direito você se abalou daqui de seus negócios e foi falar mal de mim para meu pai? Olhe, vá cuidar de sua mulher, que anda dando para o motorista do misto. Essa carta é pra você!
 
- [cp]
 
Em tempo: este fato aconteceu dois dias antes de sairmos apressados de Barcelona. História que eu narro no texto “A Sopa de Zeca”.

*

Glossário do RN: "Barrer a quenga" - Enlouquecer. Perder o juízo...

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