Esta é a igreja católica de "Bacelona". Foi onde fui batizado,
ainda criancinha, pelo padre Pereira. Naquele dia um casal da elite local
também batizou um de seus filhos. Hoje eu estava olhado para minha mãe. Está
velha, acabada, adoentada e já ficando impotente, sem forças. Sinto uma tristeza
danada em vê-la assim. Uma pessoa de muita ação. Destemida. Que enfrentou o
satanás em pessoa, que lhe estendeu o pão, por ele amassado, e a fez comer. Mas, ela nunca abriu
mão de suas escolhas - embora tenha pagado alto preço... Vou contar o milagre,
mas vou omitir os nomes dos "santos", ops, das "santas".
Não faz muito tempo, eu estava no Centro Comercial do Alecrim quando vi um
homem velho, pele branca, queimada pelo sol, careca, banguelo, olhos verdes.
Sem que me visse, olhei admirando que, apesar do desgaste do carrasco tempo, ainda
guardava traços de beleza. Pois bem, seu nome: Kleber. Quando chegou a
"Bacelona" (em 1964), dirigindo o misto de seu Juvino Guilherme,
algumas mulheres da cidade quase "barreram a quenga". Era um jovem
muito bonito. Aqueles olhos sedutores fizeram muitas sonhar acordadas.
Incluindo algumas "senhoras" casadas. Kleber fazia suas refeições em
minha casa. Muito educado. Respeitador. Mas, com a carne fraca e o espírito
safado. Não contou conversa, quem se oferecia ele "traçava".
"Bacelona" era uma cidadezinha parecida com o "jogo da
velha": duas ruas cruzadas por outras duas e uma igreja no meio. Todo
mundo se conhecia. Todo mundo! Até os cachorros se conheciam. Mamãe era o que
se chamava, na época, "mãe solteira". Aliás, foi preciso Francisco, o
papa, dizer que "mãe solteira não é estado civil". Gosto deste papa.
Ele é dos meus... A condição de minha mãe era motivo de discriminação e
preconceito. Embora houvesse muita gente de bem que gostava dela. Mas, também
havia mulheres que viviam de olho e não perdiam uma chance de alfinetá-la. É a
tal estória: "Em cidade pequena, a língua do povo é enorme"... Enfim,
um dia Kleber chegou de Natal e foi direto jantar no Café de mamãe. Naquela
época "Café" é o que hoje chamamos de restaurante. Quando o homem
começou a comer, alguém lhe entregou um envelope de carta. Ele jantou lendo a
missiva. Ao término rasgou e pediu para mamãe queimar no fogão. Dizem que a
mulher enganou o diabo... Ela botou outro papel no fogo (para que o cheiro de
queimado fosse sentido lá fora) e guardou a carta. Foi um grave erro. Mas, ela
entendeu que precisava cometer aquele "delito". Mas tarde, leu. Era
da mãe daquele garotinho que fora batizado comigo. A mulher, depois de uma
"ficada", estava loucamente apaixonada pelo motorista do misto.
Elogiava o homem do pé a cabeça e dizia que ele a tinha feito se sentir,
verdadeiramente, mulher... Havia muita saudade e planos de mais encontros. Duas
folhas de papel semitransparente traziam marcas de sua caligrafia. Dias depois
um soldado de polícia veio morar na cidade. Aí foi a vez de mamãe se apaixonar.
O marido daquela mulher, que morava e tinha um comércio na nossa rua, nunca
soubemos a razão, pegou seu jipe, viajou nove quilômetros e meio, até a casa do
meu avô, só para enredar que mamãe estava se envolvendo com o policial, que até
já havia dormido lá em casa. Meu avô era um homem muito sério. Uma palavra sua
era uma assinatura registrada em cartório. Cuidara da filha (a pedido de Teófilo
Lopes e Rainel Pereira, líderes políticos da região), depois de ela ter
cometido um "erro", não suportaria outra decepção. Foi como uma
punhalada nele. Eu não sei como mamãe ficou sabendo, mas, à tarde, ela me pegou
pela mão e foi no estabelecimento daquele homem. Eu tinha pouco mais de três
anos. Estava com um calçãozinho de xadrez (parece-me que eu tinha uma
coleção!), a camisa do mesmo tecido. No comércio estavam, além do dono, três
clientes. E foi assim:
- Boa tarde "fulano"!
- Boa tarde Teresinha. "Quéquimanda"?
- Estou lhe devendo quanto?
- Que eu saiba, nada, Teresinha.
- Me dê uma olhada no seu caderno.
- Não, aqui não tem nada no seu nome.
- Então, com qual direito você se abalou daqui de seus negócios e foi falar mal de mim para meu pai? Olhe, vá cuidar de sua mulher, que anda dando para o motorista do misto. Essa carta é pra você!
- [cp]
Em tempo: este fato aconteceu dois dias antes de sairmos apressados de Barcelona. História que eu narro no texto “A Sopa de Zeca”.
*
Glossário do RN: "Barrer a quenga" - Enlouquecer. Perder o juízo...
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