O SUBVERSÍVO

Jamais esqueci o dia em que ouvi a palavra "subversivo". Eu tinha 11 anos, e aquela foi a primeira vez. Estou aqui com um dicionário de português, entre as mãos, lendo o seu real significado. Entre seus muitos sinônimos, encontrei "revolucionário". O cidadão da foto se chamava Vulpiano Cavalcanti de Araújo (1911-1988). Nascido em Fortaleza, Ceará - onde também faleceu. Formado em medicina, em 1935, no Rio de Janeiro. Veio para o Rio Grande do Norte para trabalhar em Mossoró. Em 1952, devido sua atuação política, foi preso e conduzido para Natal. E aqui ficou por muitos anos. Comunista convicto, defendia, abertamente a ideologia que acreditava. Eu o conheci preso no quartel da Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Estávamos vivendo o período mais duro do Regime Militar. Corria o ano de 1972. Antônio Francisco da Cruz, meu padrasto, havia sido transferido de Santa Cruz para Natal. Aqui ficou lotado no Comando Geral, servindo como telefonista na sala do Oficial de Dia. Dr. Vulpiano era detido na sala vizinha. Incomunicável. Ninguém podia dele se aproximar. Quase todos os dias eu ia jogar bola, na quadra do quartel, com um dos filhos de tenente Libório, também preso, e outros garotos. Era normal ver o médico, em sua prisão sem grades, com os braços sobre o parapeito da janela que dá para a avenida Rodrigues Alves, Tirol. Impávido. Calado. Constantemente usava um par de óculos escuros. Um dia meu padrasto não chegou em casa. Nem no outro dia e nem no dia subsequente. No quarto dia mamãe me mandou no quartel saber o que havia acontecido. No portão da guarda me informaram que ele estava no "xadrez". Fui até lá sem barreiras. Todos da Companhia de Serviço, do qual Cruz fazia parte, me conheciam. Entrei naquele ambiente úmido e de pouca luz. Ele me disse:

- Diga a sua mãe que vou ficar 30 dias no xadrez. Eu tirei um retrato, encostado na parede, do lado do subversivo!... - [fcésar]