sábado, 7 de setembro de 2013

“GRAÇA ARANHA”


Hoje, 7 de setembro, faz 63 anos do nascimento da minha falecida esposa. Uma pessoa encantadoramente encantadora. Não vou descrevê-la como “especial” por que já ouvi muito essa palavra para me definirem, e era tudo mentira. Optei por “encantadora”. Não por que morreu. Longe de mim essa hipocrisia. Mas, por que ela merece a definição.

Conheci Graça na noite do dia 31 de dezembro de 1985. Passamos a noite do réveillon juntos e foi amor a primeira vista. Eu vinha do fracasso de uma paixão desenfreada e coube a ela, pacientemente, retirar todos os “resíduos” daquela farsa que me causaram. Aliás, encontrar mulheres mentirosas, em mim, é mais que um dom. É também um “imã”. Com Graça foi tudo diferente. Todas as partes de sua história, que me confessou, se revelaram únicas e verdadeiras, ao longo de 24 anos: nada de “santidade”, nada de pureza, nada de “só você fez isso”. Ou, “Depois do meu primeiro marido, você foi o único”. Essas enganações que algumas mulheres fazem tentando pegar otários. Ou seja: Graça foi - ao longo do nosso tempo - incapaz de me decepcionar em qualquer assunto. Por isso, repito, que mulher encantadoramente encantadora!

Em fevereiro de 1986 ficamos noivos. Em abril fomos morar juntos. Casamos em maio. Meu sogro eu não conheci - falecera em maio de 1971. A sogra que ganhei, poucos tiveram, tem, ou terão o privilégio de encontrar. Uma pessoa maravilhosa, educada, fina e extremamente vaidosa. Caráter exemplar captado e usado pela filha. E as duas eram mais que mãe e filha: eram amigas, cúmplices. E hoje, depois que a “poeira” vai baixando, percebo que uma não viveria muito depois da partida da outra – Graça faleceu poucos mais de dois anos depois da sua mãe.

Como se diz em minha terra - sem querer desrespeitar meu leitor - eu entrei naquele casamento “apenas com o pau”. Aliás, para ser verdadeiro, eu não tinha um pau para matar um gato.  Sorte do gato! Mas, Graça foi a primeira a providenciar uma “lavagem de roupa” para mim. Houve, na época, um episódio curioso: ela convidou um casal amigo para serem nossos “padrinhos”. Uma noite fomos visita-los lá no bairro do Tirol, para as apresentações. Receberam-me muito bem, mas, a mulher, em “off” perguntou: “mulher, você vai casar com esse pé-rapado”? Nunca mais voltamos aquela casa. Depois, outras amizades suas foram perdidas por minha causa. As pessoas visam títulos acadêmicos, bens, contracheques recheado (e isso é a cara de Natal!) e outras vantagens. O caráter, valor maior de um ser humano, é ridicularizado, descartado em nome de status ou de um falso casamento “bem sucedido”.

Houve outro caso onde um grande amigo me confidenciou: “Se o pai fosse vivo, você não teria casado com ela, não”. Eu fiquei do tamanho da semente de um grão de mostarda. Mas, ela me tranqüilizou: “Papai não gostava de vagabundo. Não é seu caso, ‘neguinho’ pobre. E dizia com seu sorriso mais brilhante e contido. E foi assim, nosso começo. Barreiras como o diabo. Aos poucos fomos vencendo uma a uma. Jamais dei “espaço” à família para me ver como “intruso”. Fui trabalhando e aos poucos, ganhando o respeito de todos da sua família.

Quando a conheci, “Gracinha”, como era chamada pelos seus, tinha dois filhos do seu primeiro casamento - na época um rapaz com 17 anos e uma moça com 14 - me aceitaram com um recíproco respeito que trazemos até hoje – é rara a semana em que o rapaz não me liga, falando lá de Canguaretama, onde mora.  Jamais houve, da parte dos seus filhos, aquela frescura adolescente de que “não pode beijar mamãe na nossa frente”. Alias, existe adolescente que prefere fingir que não sabe aonde “mamãe” vai, toda sexta e sábado, a aceitar que ela tenha um namoro sério. Curioso isso, não é?

Maria das Graças Galvão Freire (nome de solteira) era uma mulher fina. Extremamente educada. Excelente como mãe. Extrovertida, cordial, realista e prática. Sua voz era doce e suave. Tinha um andar educado. Sem pressa. Higiênica até a oitava geração, constantemente perfumada e de uma vaidade extrema, sem ser cafona ou exibida. Disciplinadamente ética, tanto profissional como pessoa. Não tinha fanatismo a nada e nem ninguém. Tudo era na sua medida. Seu gosto era fino – e quando eu recusava comer alguma comida que eu não conhecia, filosofava: “O que é bom, não é para soldado!” Amável, era dona de um coração onde havia espaço para todos. E se compadecia dos desafortunados. Tinha uma visível aparência arrogante, prepotente e autoritária, contudo, nem de longe isso era uma verdade. Seus funcionários eram chamados a atenção, em uma sala onde não se ouvia gritos nem palavrões. Mas, o sujeito saia visivelmente arrasado. Arrasado mas, ainda assim, respeitoso para com ela - pois era uma pessoa que impunha respeito. Eu lhe dizia: “você nasceu para dar carão”. Nem vou, aqui, descrever seu olhar para mim. Aliás, quando de mau humor seu rosto ganhava um tom irresistivelmente lindo. Falava fluentemente espanhol, e alguma coisa em holandês - por ter vivido em Aruba, no Caribe e Venezuela - onde trabalhou por dois anos entre os dois países. Também sabia um pouco de francês – herança do seu tempo de Escola Doméstica. E foi com ela que aprendi a ouvir Edite Piaf, Charles Aznavou, entre outros da boa música francesa. Profissionalmente Graça Galvão (como era conhecida) era artista plástica – trabalhava telas, cerâmicas, gesso. Era uma “as” em craquelê, vidro e pátina. E também culinarista - sua especialidade era criar sobremesa para quem não come açúcar. 

CÉSAR & GRAÇA

Café com leite. Era assim que eu poderia definir César e Graça. Duas pessoas infinitamente diferentes. Anos-Luz em tudo de tudo na vida de um em relação ao do outro - entre os dois, provavelmente só a honestidade e a cumplicidade de humor era o ponto em comum. Para começar, César preto e Graça branca (um verdadeiro café com leite). Graça nasceu em berço de ouro - era uma burguesa. César nem berço teve - era filho de proletária. Graça disciplinada, contida. César indisciplinado e meio porra louca. Graça acordava às 6 horas. César cinco minutos depois. Graça adorava frutos do mar. César buchada, rabada, mocotó, picado de porco, bode, carneiro. César ama cinema, filatelia, livros. Graça amava apenas César. Mesmo nos dois anos em que estivemos separados, ela me ligava todos os dias e, displicentemente recomendava: “Taradinho da mamãe, use três camisinhas, quando estiver ‘comendo’ suas ‘negas’, para não cair o pau!”.

Não há um só dia em que eu não pense nela. E em 90% das vezes, choro sua falta. Sinto falta até das reclamações... “Graça Aranha” foi, depois de mamãe, a pessoa mais importante em toda a minha vida. O “Aranha”, na verdade era plágio. Seu pai foi o autor da alcunha. E mandou pintar aquele nome em seu barco encostado na marina de Natal. Em homenagem ao “Dr. Roberto” - como chamavam os seus puxa-sacos - eu passei a usá-lo também.

Sinceramente, eu não sei se a fiz feliz. Eu só sei de mim: fui muito feliz com ela. - (fcb/cp)


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