Hoje, 7 de setembro,
faz 63 anos do nascimento da minha falecida esposa. Uma pessoa encantadoramente
encantadora. Não vou descrevê-la como “especial” por que já ouvi muito essa
palavra para me definirem, e era tudo mentira. Optei por “encantadora”. Não por
que morreu. Longe de mim essa hipocrisia. Mas, por que ela merece a definição.
Conheci Graça na noite
do dia 31 de dezembro de 1985. Passamos a noite do réveillon juntos e foi amor
a primeira vista. Eu vinha do fracasso de uma paixão desenfreada e coube a ela,
pacientemente, retirar todos os “resíduos” daquela farsa que me causaram.
Aliás, encontrar mulheres mentirosas, em mim, é mais que um dom. É também um
“imã”. Com Graça foi tudo diferente. Todas as partes de sua história, que me
confessou, se revelaram únicas e verdadeiras, ao longo de 24 anos: nada de
“santidade”, nada de pureza, nada de “só você fez isso”. Ou, “Depois do meu
primeiro marido, você foi o único”. Essas enganações que algumas mulheres fazem
tentando pegar otários. Ou seja: Graça foi - ao longo do nosso tempo - incapaz
de me decepcionar em qualquer assunto. Por isso, repito, que mulher
encantadoramente encantadora!
Em fevereiro de 1986
ficamos noivos. Em abril fomos morar juntos. Casamos em maio. Meu sogro eu não
conheci - falecera em maio de 1971. A sogra que ganhei, poucos tiveram, tem, ou
terão o privilégio de encontrar. Uma pessoa maravilhosa, educada, fina e
extremamente vaidosa. Caráter exemplar captado e usado pela filha. E as duas eram
mais que mãe e filha: eram amigas, cúmplices. E hoje, depois que a “poeira” vai
baixando, percebo que uma não viveria muito depois da partida da outra – Graça
faleceu poucos mais de dois anos depois da sua mãe.
Como se diz em minha
terra - sem querer desrespeitar meu leitor - eu entrei naquele casamento
“apenas com o pau”. Aliás, para ser verdadeiro, eu não tinha um pau para matar
um gato. Sorte do gato! Mas, Graça foi a
primeira a providenciar uma “lavagem de roupa” para mim. Houve, na época, um
episódio curioso: ela convidou um casal amigo para serem nossos “padrinhos”.
Uma noite fomos visita-los lá no bairro do Tirol, para as apresentações.
Receberam-me muito bem, mas, a mulher, em “off” perguntou: “mulher, você vai
casar com esse pé-rapado”? Nunca mais voltamos aquela casa. Depois, outras
amizades suas foram perdidas por minha causa. As pessoas visam títulos
acadêmicos, bens, contracheques recheado (e isso é a cara de Natal!) e outras
vantagens. O caráter, valor maior de um ser humano, é ridicularizado,
descartado em nome de status ou de um falso casamento “bem sucedido”.
Houve outro caso onde
um grande amigo me confidenciou: “Se o pai fosse vivo, você não teria casado
com ela, não”. Eu fiquei do tamanho da semente de um grão de mostarda. Mas, ela
me tranqüilizou: “Papai não gostava de vagabundo. Não é seu caso, ‘neguinho’
pobre. E dizia com seu sorriso mais brilhante e contido. E foi assim, nosso
começo. Barreiras como o diabo. Aos poucos fomos vencendo uma a uma. Jamais dei
“espaço” à família para me ver como “intruso”. Fui trabalhando e aos poucos,
ganhando o respeito de todos da sua família.
Quando a conheci, “Gracinha”,
como era chamada pelos seus, tinha dois filhos do seu primeiro casamento - na
época um rapaz com 17 anos e uma moça com 14 - me aceitaram com um recíproco respeito
que trazemos até hoje – é rara a semana em que o rapaz não me liga, falando lá
de Canguaretama, onde mora. Jamais houve,
da parte dos seus filhos, aquela frescura adolescente de que “não pode beijar
mamãe na nossa frente”. Alias, existe adolescente que prefere fingir que não
sabe aonde “mamãe” vai, toda sexta e sábado, a aceitar que ela tenha um namoro
sério. Curioso isso, não é?
Maria das Graças Galvão
Freire (nome de solteira) era uma mulher fina. Extremamente educada. Excelente como
mãe. Extrovertida, cordial, realista e prática. Sua voz era doce e suave. Tinha
um andar educado. Sem pressa. Higiênica até a oitava geração, constantemente perfumada
e de uma vaidade extrema, sem ser cafona ou exibida. Disciplinadamente ética, tanto
profissional como pessoa. Não tinha fanatismo a nada e nem ninguém. Tudo era na
sua medida. Seu gosto era fino – e quando eu recusava comer alguma comida que
eu não conhecia, filosofava: “O que é bom, não é para soldado!” Amável, era
dona de um coração onde havia espaço para todos. E se compadecia dos
desafortunados. Tinha uma visível aparência arrogante, prepotente e autoritária,
contudo, nem de longe isso era uma verdade. Seus funcionários eram chamados a
atenção, em uma sala onde não se ouvia gritos nem palavrões. Mas, o sujeito
saia visivelmente arrasado. Arrasado mas, ainda assim, respeitoso para com ela
- pois era uma pessoa que impunha respeito. Eu lhe dizia: “você nasceu para dar
carão”. Nem vou, aqui, descrever seu olhar para mim. Aliás, quando de mau humor
seu rosto ganhava um tom irresistivelmente lindo. Falava fluentemente espanhol,
e alguma coisa em holandês - por ter vivido em Aruba, no Caribe e Venezuela - onde
trabalhou por dois anos entre os dois países. Também sabia um pouco de francês
– herança do seu tempo de Escola Doméstica. E foi com ela que aprendi a ouvir
Edite Piaf, Charles Aznavou, entre outros da boa música francesa. Profissionalmente
Graça Galvão (como era conhecida) era artista plástica – trabalhava telas,
cerâmicas, gesso. Era uma “as” em craquelê, vidro e pátina. E também culinarista
- sua especialidade era criar sobremesa para quem não come açúcar.
CÉSAR & GRAÇA
Café com leite. Era
assim que eu poderia definir César e Graça. Duas pessoas infinitamente
diferentes. Anos-Luz em tudo de tudo na vida de um em relação ao do outro -
entre os dois, provavelmente só a honestidade e a cumplicidade de humor era o ponto em comum. Para começar,
César preto e Graça branca (um verdadeiro café com leite). Graça nasceu em
berço de ouro - era uma burguesa. César nem berço teve - era filho de
proletária. Graça disciplinada, contida. César indisciplinado e meio porra
louca. Graça acordava às 6 horas. César cinco minutos depois. Graça adorava
frutos do mar. César buchada, rabada, mocotó, picado de porco, bode, carneiro. César
ama cinema, filatelia, livros. Graça amava apenas César. Mesmo nos dois anos em
que estivemos separados, ela me ligava todos os dias e, displicentemente
recomendava: “Taradinho da mamãe, use três camisinhas, quando estiver ‘comendo’ suas
‘negas’, para não cair o pau!”.
Não há um só dia em que
eu não pense nela. E em 90% das vezes, choro sua falta. Sinto falta até das reclamações... “Graça Aranha” foi, depois
de mamãe, a pessoa mais importante em toda a minha vida. O “Aranha”, na verdade
era plágio. Seu pai foi o autor da alcunha. E mandou pintar aquele nome em seu
barco encostado na marina de Natal. Em homenagem ao “Dr. Roberto” - como
chamavam os seus puxa-sacos - eu passei a usá-lo também.
Sinceramente, eu não
sei se a fiz feliz. Eu só sei de mim: fui muito feliz com ela. - (fcb/cp)
Nenhum comentário:
Postar um comentário