sábado, 3 de agosto de 2013

ELMO PINGNATARO


Professor Elmo foi meu colega de filatelia, e um amigo. Recebia-me em sua casa como se recebe uma autoridade. E quantas e quantas vezes eu o visitasse ele sempre fazia a mesma perguntando: “César, você ainda coleciona selos árabes? Recebi uma carta e vieram estes dentro. São do Egito, Sudão, Palestina, Jordânia, Iraque”. E eu saia com novidades para minha coleção.

Elmo amava os selos. Seu acervo era de encher os olhos de qualquer colecionador mais exigente. Tinha uma linda e rara coleção de ex-colônias inglesas de A a Z. Ou seja: de Aden a Zanzibar. Também as ex-colônias francesas, portuguesas, alemãs e espanholas. Também de vários países da Europa, incluindo Rússia período dos czares, Revolução, Governo Provisório, e depois União Soviética até o fim. Brasil completo, com todas as suas variedades, raridades denteações e cores com todas as suas nuanças e fosforescências, filigranas, tipos de papeis, sobretaxas, xilófagos. Possivelmente uma das mais interessantes coleções do Brasil. Elmo era o que se podia chamar, com muita propriedade, “O filatelista”.

Tinha inúmeros envelopes, de cartas a ele endereçadas, desde o fim da década de 1930. Muitos com carimbo da Suástica Nazista e uma tarja fechando o envelope com uma informação em alemão “Geöffnet” (aberta). Os britânicos também censuravam: “Examiner” (examinada) - normal em tempos de guerra. Foi o maior colecionador de selos do nosso Estado e um dos grandes no País. Também tinha cartas com selos de vários países que depois mudaram de nomes como, Daomé (atual Benin), Ceilão (atual Sri Lanka), Birmânia (atual Myamar), entre outros.

Elmo era uma pessoa extremamente agradável. Aos sábados nos reuníamos em nosso Clube Filatélico, onde foi um dos fundadores, e levava alguns de seus álbuns (geralmente com alguns selos raros) para apreciarmos sua coleção. Ele dizia: “trouxe apenas para ‘arejar’ os selos”. Também levava duplicatas para distribuir com a meninada. Fazia isso como incentivo aos novos filatelistas. A garotada o rodeava e ele adorava testar os conhecimentos geográficos de cada um: “Só ganha selos se me disser qual o maior porto do Afeganistão”. Fazia de propósito, uma vez que o Afeganistão nem mar têm. Apontava um garoto e perguntava: “Você, que país é esse aqui? Sabe qual é a moeda de lá? Sabe onde fica”? Ou então: “O capitão James Cook fez cinco viagens ao Havaí. Morreu numa delas. Qual”? A meninada tensa... Riamos muito vendo o rosto pensativo dos garotos. 

Os adultos, mesmos os colecionadores “avançados” também recebiam alguns envelope de papel “manteiga” com selos dentro. Ele sentava, olhava e saudava cada um. Identificávamos-nos por uma “referência” do que colecionávamos. Exemplo: “César, o ‘árabe’, aqui tem uns para você”. “Alciomar, ah, este gosta mesmo é de cavalos. Aqui tem esses, são seus”. Virava para outro lado e dizia: “Você é ‘russo’. aqui tem selos da Rússia pra você”. Sérgio, você é polonês. Aqui tem selos da Polônia. “Bom, este outro é ‘americano’. Lá vai”. E fazia isso com uma alegria, um prazer enorme. Mas antes de tudo isso havia o “ritual” dos óculos de grau: “Vou tirar os óculos pra enxergar melhor”! E levantava os óculos à testa. 

Além de desfrutarmos de sua presença alegre e descontraída, Elmo nos proporcionava conhecimentos sobre antigos filatelistas: Monsenhor da Mata, Floriano Cavalcante, Dr. Aderbal de Figueiredo, Alberto Roseli, Dulce de Sá e tantos outros. Também confirmava, ou desmentia visita de pessoas ilustres que teriam passado por Natal.

No dia 3 de julho de 1991, em visita ao México, teve a delicadeza de me enviar uma “Tarjeta Postal”. Fiquei profundamente grato àquela sua iniciativa, uma vez que passeava com a esposa e tinha mais no que se envolver. O professor Elmo foi a pessoa mais educada (em toda a extensão da palavra), fina, reverente, fraterna e cortês que eu conheci. E era, acima de tudo, um educador. Tinha ares aristocráticos (frequentava as reuniões de Clube de bermuda, sandálias de couro e camisa de botão solta. Para mim ele parecia estar sempre vestido de fraki), mas, era simples e modesto. Pessoa de extremo bom gosto. Era uma figura amável. Falava baixo, mas com uma voz gutural, articulada. Eu jamais ouvi uma grosseria, um palavrão, uma indelicadeza, saindo de sua boca. Jamais ouvi falar mal de alguém. Mesmo contando uma estória, duvidosa, fazia com um agradável sorriso. Profissionalmente foi, durante anos, chefe do setor de câmbio do Banco do Brasil e professor da UFRN, ensinando história para alunos de economia. Para ele, todas as “mazelas” da história (guerra, revoluções, invasões) passavam pela economia. 

Elmo Pingnataro (pronuncia-se Pinhataro) nasceu em Natal a 15 de junho de 1923. Casado com dona Lauria tiveram dois filhos – os médicos Francisco e Lauro. Foi aluno do tradicional Atheneu Norte-Rio-Grandense e formou-se em direito. Era filho de Francisco Pingnataro. Um homem que viveu no começo do século 20, em Natal, e que eu o descrevo como “o primeiro ecologista”, numa época em que a palavra ainda nem existia.  Foi ele, Francisco, quem plantou inúmeras árvores onde hoje fica o Conjunto Mirassol, Cidade Jardim e Capim Macio, bairro que tem uma das ruas com seu nome.

Elmo nos deixou em 6 de outubro de 1996, vitimado por um câncer na garganta por causa de seus excessos com cigarros. Seus últimos seis meses de vida foram longe dos amigos. Recomendação médica. Sobre ele escreveu o presidente do Clube Filatélico Potiguar Rosaldo Moreira de Aguiar: “Pessoa amiga e fraterna, será sempre lembrado; são pessoas desta índole, caráter, hombridade, companheirismo e amizade que se torna uma figura indelével no conceito da sociedade, dos amigos e os parentes. A filatelia Potiguar perdeu um grande incentivador”.

Pelo que representou em minha vida enviei a família o seguinte telegrama: “Família Pingnataro, foi com profundo pesar que recebi, ontem, a notícia da partida do meu amigo, e colega filatelista, Elmo Pingnataro. Recebam todos os meus sinceros sentimento de solidariedade. Fica entre nós a lembrança de um homem competente, educado, modesto, inteligente e de um grande senso de responsabilidade familiar e profissional. Quanto a nós, continuaremos nesta grande luta, em busca do equilíbrio”. – (fcb/cp)

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