segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A LÍNGUA DE TARCÍSIO MOTTA EM DEFESA DA CULTURA

Em 12 de abril de 2008 eu perdi um grande amigo: Tarcísio Motta. Faleceu aos 63 anos. Um menino, ainda. O tabaco – o daquela planta! – acabou com sua vida, vitimando-o por uma AVC braba. Tarcísio José Barroca da Motta entendia tudo de cinema. Tudo e mais um pouco. Era artista plástico: desenhava, fazia escultura em madeira, cerâmica, zinco, gesso. “Quando estou ‘liso’, pego um pedaço de flandres velho, faço o rosto de Jesus e num instante arranjo dinheiro. Meus parentes judeus venderam o Cristo, por que eu também não posso vender. Hein, hein”? Dizia sem o menor constrangimento. Fez uma “Cidade fantasma” do velho Oeste toda de madeira. Tinha, em sua coleção, armas do faroeste – um winchester original, de mil oitocentos e alguma coisa, e um revolver da Guerra da Sesseção com um documento de autenticação. O mundo jurássico era seu fascínio. Não tendo papas na língua, era a figura mais “venenosa” que eu conheci. Falava de civis, militares, e eclesiastes. Chamava seus colegas de “artista de plástico”. Também era dele a frase: “Eu odeio a cultura nordestina e a família dela”. Extremamente ranzinza, um dia sua esposa, a “caixa” da paciência, vendo-o dando marcha à ré para sair, perguntou: "Tarcisio, vai pra onde"? E ele respondeu: "Não sei. Não sou profeta!" Quando eu ia visitá-lo, me recebia gentilmente e perguntando secamente: "O que você quer 'John Wayne'”? Quando eu lhe dava as costas, dizia para os que ficavam: "Esse idiota pensa que é John Wayne." Era o jeito dele. Não tinha como escapar. Minha mulher odiava aquela minha amizade. Acontece que, conhecendo como o conhecia, eu morria de rir quando alguém me contava. Até porque, eu também ouvia piadas sobre os outros. Era sempre a mesma coisa: ai de quem saísse primeiro da casa dele. Mas, era uma figura muito querida pelos mais “chegados”. “TODAS” as 4.519 vezes em que fui à casa de Tarcísio, no bairro de Lagoa Nova - me aconselhava: “'John Wayne', você precisa arranjar um emprego federal. Intelectual sem um emprego federal, pra lhe sustentar, vai morrer de fome. Porque intelectual não gosta de fazer merda nenhuma, hein, hein?Havia uma livraria na rua Felipe Camarão – Cidade Alta – onde freqüentava todos os dias. Uma moça havia acabado de ser contratada e, como não o conhecia, foi solicitar que parasse de fumar dentro do estabelecimento. Ele olhou para ela muito sério – tinha o hábito de franzir o cenho, em parte por causa da fumaça do cigarro -, deu uma baforada e perguntou: "O que você prefere, que eu fume ou solte um peido, hein, hein?" No começo dos anos 1990 José Agripino Maia se tornou governador do Estado pela segunda vez. E levou o médico ginecologista Iapery Araujo para ser o presidente da Fundação José Augusto – a nossa principal instituição governamental para a cultura do estado. Um jornalista do Diário de Natal, escandalizado com o acontecido, saiu às ruas em busca de intelectuais para saber suas opiniões. Chegando numa livraria da cidade, alguém por pura sacanagem - indicou Tarcisio para ser entrevistado. E ele, sempre com um cigarro, e uma cara de pouco amigo, começou: "Escute aqui, meu jovem, desligue a merda desse gravador que isso não me serve de nada. E em toda a minha vida jamais havia visto tanta coerência em uma indicação para um cargo no governo". Respondeu. O rapaz, misto de indignação e assombro, insistiu. No que Tarcísio justificou: "Meu amigo, com uma cultura 'buceta' como essa do Rio Grande do Norte, ninguém melhor que um ginecologista pra cuidar dela! Hein? Hein?" - [cp]




NOTA: As obras que ilustram este texto são de Tarcísio Motta.

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