Um dos mistérios de nossa vida (ou o principal!) é não sabermos o dia,
onde, como e a hora de nossa partida. Naquele sábado, 26 de junho de 2010,
cheguei ao hospital às sete horas da manha, em ponto. Voltei do trabalho direto para ficar com
Graça. Aqueles últimos quinze dias de sua vida, a minha era assim: trabalhava
24 horas e ficava com ela nas outras 24. Tomava banho e trocava de roupas lá
mesmo. O quadro não era nada animador. Chegou ao ponto de o médico renunciar
aos seus honorários para que “Dona Graça” ficasse em um apartamento sozinha (Por
mais que tentasse, jamais lhe pagaria isso. Há dívidas que nunca saberemos a dimensão
exata de seu real valor) – o Plano de Saúde nos dava direito a uma enfermaria
com mais dois pacientes. Durante aquela penosa luta, Graça orava para que, uma
vez que não havia cura, que fosse tudo muito rápido. Que não morresse
faltando-lhe membros e que acontecesse enquanto dormia. Na última semana o
tumor bloqueou seu mecanismo de acordar. Ela só dormia. Algumas vezes “ensaiava”
acordar. Aquele dia, enquanto lhe fazia companhia acompanhava jogos da Copa do
Mundo: Uruguai 2 X 1 Coreia do Sul. A tarde jogaram Estados Unidos 1 X 2 Gana. AS
18:00 Percebi que Graça tinha febre alta. Muita febre. Seus rosto estava
incrivelmente vermelho. Mas, ela estava linda! Pedi a enfermeira Chefe para
avisar ao médico de plantão. Ela me recomendou que, enquanto isso eu aplicasse
compressas de água fria sobre o peito e molhasse seus lábios com uma lã. Às
21:30 recebemos a visita de uma de suas irmãs: Sheila Soraya (falecida dia 02
de janeiro de 2014). Ela trouxe um pastor protestante para fazer uma oração. O
homem praticamente “entregou” Graça a Deus. Todos se foram. Dei mais uma
compressa e nada de o médico chegar. Comecei a sentir forte sonolência. Uma sensação
que eu jamais havia sentido. Eu queria dormir... Mas antes fui procurar a
enfermeira chefe mais uma vez. Ela me garantiu que o medico viria. O plantão
estava sobrecarregando o homem. Voltei quase dormindo em pé. Apliquei mais uma compressa. Umedeci os lábios
rosados de Graça que parecia dormir. Ressonava “normalmente”. Brinquei com ela
fazendo a “voz” do nosso cachorro (com voz de criança, como sempre fazíamos): “Minha
mãe foi dormir, meu pai vai dormir!” Cai, literalmente, na “cadeira do papai”
destinada aos acompanhantes. Foi tudo muito rápido. Coisa de cinco minutos – e não
mais que isso, fui acordado, as pressas, pela enfermeira chefe e o médico. Pediram para me retirar, pois havia um procedimento de urgência a ser feito. Olhei
para Graça. Ela estava sem brilho. Sem cor... “Perdi minha mulher!” Foi meu
primeiro pensamento. Sai Dalí chorando. Eu tinha certeza absoluta que ela não
mais estava aqui. Mesmo assim recorri aos Seres de Luz pedindo que não a deixasse ir
ainda... Cerca de vinte minutos de aflição, vagando sozinho naquele corredor, a
porta se abriu. O jovem médico não sabia o que me dizer. Deu um “arrodeio”
maior do mundo, tentando explicar o inexplicável... A primeira pessoa para quem
liguei foi para seu filho, que estivera com ela pela manhã. Liguei mas nada
falei. Eu não conseguia falar. Tentava, mas, não conseguia falar. Do outro lado
ele insistia em perguntar pela mãe. Eu não conseguia falar... A voz não
vinha... Só chorava sem parar. Uma angústia transpassava meu ser. Lembro que alguém
falou com ele ao telefone. A dor daquela noite está comigo até hoje. Uma dor “esculpida”
na alma... -[Chico Potengy]
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