“Redinha
via Igapó", "Bairro Nordeste via Quintas", "Ponta Negra via
Capim Macio". Gritam cobradores de alternativos, na calçada do Cine Rio
Grande. Do que já foi a maior sala de projeção de cinema de Natal, hoje resta
um imponente e abandonado prédio, esquina da Av. Deodoro com Rua Açu, no Centro
da cidade.
O Cine São José foi o meu primeiro cinema em
Natal, cidade que me "adotou" em 1966, vindo da minha pequena
Barcelona, distante exatos 100 quilômetros da capital, as margens do Potengi.
Naquela cidade, todas as segundas-feiras, o Mercado Público era preparado para
abrigar o "cinema" local. Duas bancas de feira eram colocadas sobre
outras duas e "seu" Edgard montava o projetor em cima, direcionando o
foco para a parede ao fundo. Os adultos sentavam em cadeiras (trazidas de casa)
ou nos bancos das lojinhas do mercado. A meninada ficava espalhada pelo chão
junto à "tela". Antes do filme um seriado de Super Man (com George
Reeves), ou Flash Gordon (com Buster Crabber), ou Durango Kid (com Charles
Starrett) era motivo de discussão o resto da semana, para tentar descobrir como
o "artista" se sairia do perigo em que havia de enfrentar. Daquela
época eu tenho poucas imagens nítidas, naturalmente - minha mãe me levava no
colo. Mas, as poucas que eu consigo lembrar há sempre um homem de chapéu
branco, roupas pretas, com pontos prateados, correndo em um cavalo, sendo
perseguido, ora por índios, ora por bandidos: faroeste! Em 1965 minha família
mudou-se para São Tomé, 22 km depois de Barcelona. Foi minha pior experiência
na vida. Exceto por ir morar exatamente em frente ao cinema, em uma das principais rua daquela cidade. Lá o cinema era de "verdade": prédio
próprio, tela grande, projetor montado dentro de uma cabina, bilheteria, e
cartazes expostos em quadros apropriados. Um alto falante, à porta, anunciava o
filme da noite, intercalando com "Delicato", "A Summer
Place", "Jamaica Rumba" (com Percy Feith), "The Peanut
Vendor", "Come Semptember" (com Billy Vaughn), "A Lenda do
Beijo", "Analucia", "Caravan", "Mr. Moto" e
"Johnny Guitar" (com The Pop's). Sucessos da época. Com quatro anos
de idade, "sem dinheiro no bolso", tive uma ideia, movido pelo instinto
de sobrevivência cinéfila: fiz amizade com o rapaz da portaria. Uma daquelas
amizades por puro interesse. Aristóteles dizia que a amizade se divide em três
partes: útil, prazer e homens bons. Agarrei-me as três para lucrar a magia da
Sétima Arte. Ao apagar das luzes, o filme começava. O porteiro acenava. Era a glória.
Eu dava uma carreira só, em direção à tela. Faroestes, guerras, filmes de
piratas e Tarzan (com Johnny Wessmuller), desfilavam diante dos meus
sorridentes e pequenos olhos. Era o meu "Cinema Paradiso". Em dois de janeiro, de
1966, viemos morar em Natal. Mas precisamente no proletário Bairro das Quintas.
Minha casa ficava numa rua paralela ao do Cine São José - o
"pulguinha" - onde certa vez fui "apresentado" a John Wayne. Hatari era
o filme em exibição aquela noite. Fiquei impressionado com aquele homem,
sentado sobre o capô de uma velha Pick Up, uma grande vara nas mãos, com um
laço na ponta, tentando capturar um animal esquisito. "É um
rinoceronte!", me disse um rapaz aquém eu havia perguntado que bicho era
aquele. O filme eu só veria 26 anos depois, numa cópia em vídeo. A emoção foi
grande. Apesar de morar próximo ao São José, o Cine São Sebastião - que
carinhosamente chamávamos de "bostinha" - foi o cinema da minha
infância. As tardes de domingo eram recheadas de cachorro-quente, rolete de
cana, refrescos de frutas regionais, pitomba, tapioca com "ginga"
frita, revistas de Reis do Faroeste, Tarzan, Bomba, Ringo, Tex, Zorro, Tio
Patinhas, Rin-Tin-Tin, e filmes de bang-bang "espaguetes", ou mesmos
os americanos. Ás 15h00m, o som de um sino anunciava o início do filme.
Aplaudíamos entusiasmados e ansiosos. Amávamos Giuliano Gemma, George Hilton,
Anthony Steffen (o Antonio de Tefé, que a meninada fazia absoluta questão de
frisar que ele era brasileiro.), Franco Nero, Randolph Scott, Kirk Douglas,
Gary Cooper, Burt Lancaster, James Stewart e, claro, John Wayne. Meus
coadjuvantes preferidos eram, em sua maioria, fordianos: Ben Johnson, Victor
McLaglen, Edmond O'Brien, John Carradine, Jack Pennick, Hank Word, Pedro
Armendariz, Wood Strode, Strother Martin, Slim Perkins, Paul Fix, Wilson Grey,
entre tantos grandes. Juntos com Anna Lee, Dorothy Jordan, Mae Marsh, Constance
Towers e Jane Darwell... Mas eu também gostava de ver Ernest Borgnine, George
Kennedy, Walter Brennan, e James Coburn. "Odiávamos" Lee van Cleef,
Klaus Kinsk, Jack Palance, José Lewgoy, Eli Wallach, Jack Elam, e o terrível
Fernando Sancho, mexicano sanguinário e sem alma.
Havia também as "minhas mulheres".
Deusas que coloriam os meus sublimes momentos de onanismo: Ava Gardner, Claudia
Cardinale, Maureen O'Hara, Brigitte Bardot (que foram minhas primeiras
"namoradas" da tela), Joanne Dru, Vera Miles, Carrol Baker, Lee
Remick, entres outras estonteantes... Na preferência de diretores eu ficava com
a competência de John Ford, David Lean, John Sturges, Anthony Mann, Howard
Hawks, Raoul Walsh, Michael Curtiz, John Huston, Sam Peckinpah. Só para citar
os chamados grandes. Adolescente, passei a freqüentar os Cines São Luis (para
ver Hercules, Maciste e Ursus), O Olde (para ver Tarzan, com Lex Barker),
Panorama (para ver os épicos Ben-Hur, Os Dez Mandamentos e Spartacus), Rex (o
mais charmoso e marcante cinema de Natal), Nordeste e Rio Grande, para ver algo
mais...refinado. Todos extintos. Quem espera um alternativo, na
"sagrada" calçada do Cine Rio Grande - que tantas vezes ouviu
comentários sobre seus cartazes - ainda pode ver a grandeza da maior sala de
Cinema do Nordeste. - fcésar
NOTA: escrevi este texto em 5 de maio de 2008.
O prédio do Cine Rio Grande era só uma boa lembrança.
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