terça-feira, 22 de julho de 2014

PERFUME SEM GARDÊNIA...


Sexta-feira fui à Banca Sétima Arte, do amigo "Paulista", encomendar o filme Sete Mulheres... Legendado. Um filme do mestre John Ford de 1966. Hoje arranjei um tempo e fui buscá-lo. Nos mostruários centenas de filmes desfilando a minha frente. Cada um no seu devido gênero. Me interessei pelos dramas. O primeiro: "Perfume de Mulher" (Profumo di Donna/1974), de Dino Risi (1916-2009). Estrelado por Vittorio de Sica (1901-1974). Curiosamente as pessoas conhecem a versão de Martin Breste, "Scent of a Woman” (1992), com Al Pacino. Enfim, saí dalí feliz da vida. Havia muito que eu queria encontrar o filme de Ford legendado. Minha cópia é dublada. Pessimamente dublada. Eu estava tão feliz... Ao tentar cruzar a Av. Rio Branco com a Rua Ulysses Caldas, alguém tocou meu braço: professor Rodrigues Neto. E a queima-roupa me deu a triste notícia: "Gardênia morreu"! Tive um choque. Toda a minha felicidade, por conseguir uma simples rodela de acrílico contendo ilusões da Sétima Arte, caiu por terra diante da triste realidade... Conheci “Gardênia” ainda nos anos 80. Eu sabia que era ele “uma das princesinhas” que embelezavam as noitadas na Boate Vice & Versa – a Rua Vigário Bartolomeu. E não sabia mais nada. Nunca me interessei. Não sabia seu verdadeiro nome, nem origem, nada! Mas, podia sentir seu verdadeiro drama: trouxe a dura “missão” de ser feio, pobre, alcoólatra e “viado”, vivendo nesta “cidade Pavão Misterioso chamado Natal”, como costuma defini-la Chico Potengy. Difícil era caminhar em toda extensão do “Beco da Lama” (o verdadeiro nome da ruela é Dr. José Ivo) - entre as ruas Ulysses Caldas e João Pessoa, ou mesmo a Coronel Cascudo, ali depois de cruzar a Vigário Bartolomeu – e não encontrar aquele pobre infeliz. Por vezes lhe vi sentado, sobre um batente de alguma loja, os braços apoiados nas pernas, mãos sobre a testa, olhando o chão como se meditando a dura sina de viver numa sociedade que rotula. Outras vezes eu o via deitado numa calçada completamente bêbado. Mas, quero aquela imagem dele, com seus passos, curtos e apressados, servindo alguma das muitas mesas daquele ambiente etílico, na esperança de que alguém lhe oferecesse uma “chamada”. Pitu, Caranguejo, 51, Ypióca, não importava a marca da “branquinha”. Todas eram muito bem-vindas. Isso sem falar nos gracejos dos frequentadores: “Gardênia, dance mais uma! Gardênia traga outra cerveja! Gardênia essa sua rosa no cabelo ficou linda!” e era assim mesmo. Todos riam, mas, nunca soube se ele era feliz. Sempre que eu o encontrava brincava com ele. Fazia-lhe gestos “afrescalhados”. Requebrava imitando uma mistura de dançarina espanhola-rumbeira. Ele ficava vermelho feito um marimbondo. Era muito mais tímido do que um caranguejo. Saia morrendo de rir do meu comportamento. Claro que eu ficava feliz. Arrancava-lhe um alegre sorriso. É ótimo fazer as pessoas rir... No começo da semana passada eu vi Gardênia pela última vez. 22 horas e eu estava ali na calçada do Antigo Cine Rex – no Grande Ponto - comendo um cachorro-quente e bebendo refresco de maracujá, em “seu” Chaguinhas. Ele passou. Fingi não vê-lo. Agora estou aqui, remoendo aquela minha atitude tão mesquinha. Perdi a chance de um curto papo, pela última vez. Gardênia era uma pessoa extremamente prestativa e honesta. Se alguém lhe entregava cem reais para trocar, ele revirava Natal todinha. Voltava no outro dia, se fosse o caso, mas, com o mesmo valor trocado. Sempre oferecendo seu sorriso, porem, incompreendido no ambiente menor, onde se “sentia em casa”. Já há algum tempo andava com um “bucho quebrado”, o rosto se desfigurando, pés e pernas inchadas. Já não era mais tão “vaidosa”... Hoje eu soube que fez a Grande Viagem. Voltou a “casa do Pai”. Foi prestar contas de sua passagem neste Planeta onde é preferível matar a tentar salvar uma vida - onde milhões são gastos com festas, enquanto muitos morrem por falta de um hospital para ser atendido. Onde existe um “demônio” capaz de lançar um foguete para atingir um avião com mais de duzentas vidas viajando. Lá se foi Gardênia e ficamos nós. De uma coisa tenho certeza, o Baile das Kengas jamais será o mesmo sem a sua presença - mesmo que discreta - abrilhantando, com suas idas e vindas, entre os foliões. E minha pergunta que fica é: o que será do Beco da Lama, agora um pobre beco, sem a sua figura maior, irreverentemente alegre e timidamente descontraída? - fcésar

Nenhum comentário:

Postar um comentário