16-2009). Estrelado por Vittorio de Sica (1901-1974).
Curiosamente as pessoas conhecem a versão de Martin Breste, "Scent of a
Woman” (1992), com Al Pacino. Enfim, saí dalí feliz da vida. Havia muito que eu
queria encontrar o filme de Ford legendado. Minha cópia é dublada. Pessimamente
dublada. Eu estava tão feliz... Ao tentar cruzar a Av. Rio
Branco com a Rua Ulysses Caldas, alguém tocou meu braço: professor Rodrigues
Neto. E a queima-roupa me deu a triste notícia: "Gardênia morreu"!
Tive um choque. Toda a minha felicidade, por conseguir uma simples rodela de
acrílico contendo ilusões da Sétima Arte, caiu por terra diante da triste
realidade... Conheci “Gardênia” ainda nos anos 80. Eu sabia que
era ele “uma das princesinhas” que embelezavam as noitadas na Boate Vice &
Versa – a Rua Vigário Bartolomeu. E não sabia mais nada. Nunca me interessei.
Não sabia seu verdadeiro nome, nem origem, nada! Mas, podia sentir seu
verdadeiro drama: trouxe a dura “missão” de ser feio, pobre, alcoólatra e
“viado”, vivendo nesta “cidade Pavão Misterioso chamado Natal”, como costuma
defini-la Chico Potengy. Difícil era caminhar em toda extensão do “Beco da
Lama” (o verdadeiro nome da ruela é Dr. José Ivo) - entre as ruas Ulysses
Caldas e João Pessoa, ou mesmo a Coronel Cascudo, ali depois de cruzar a
Vigário Bartolomeu – e não encontrar aquele pobre infeliz. Por vezes lhe vi
sentado, sobre um batente de alguma loja, os braços apoiados nas pernas, mãos
sobre a testa, olhando o chão como se meditando a dura sina de viver numa
sociedade que rotula. Outras vezes eu o via deitado numa calçada completamente bêbado. Mas, quero aquela imagem dele, com seus passos, curtos e apressados,
servindo alguma das muitas mesas daquele ambiente etílico, na esperança de que
alguém lhe oferecesse uma “chamada”. Pitu, Caranguejo, 51, Ypióca, não
importava a marca da “branquinha”. Todas eram muito bem-vindas. Isso sem falar
nos gracejos dos frequentadores: “Gardênia, dance mais uma! Gardênia traga
outra cerveja! Gardênia essa sua rosa no cabelo ficou linda!” e era assim
mesmo. Todos riam, mas, nunca soube se ele era feliz. Sempre que eu o encontrava brincava com ele.
Fazia-lhe gestos “afrescalhados”. Requebrava imitando uma mistura de dançarina
espanhola-rumbeira. Ele ficava vermelho feito um marimbondo. Era muito mais
tímido do que um caranguejo. Saia morrendo de rir do meu comportamento. Claro
que eu ficava feliz. Arrancava-lhe um alegre sorriso. É ótimo fazer as pessoas
rir... No começo da semana passada eu vi Gardênia pela última vez. 22 horas e
eu estava ali na calçada do Antigo Cine Rex – no Grande Ponto - comendo um
cachorro-quente e bebendo refresco de maracujá, em “seu” Chaguinhas. Ele passou.
Fingi não vê-lo. Agora estou aqui, remoendo aquela minha atitude tão mesquinha.
Perdi a chance de um curto papo, pela última vez. Gardênia era uma pessoa extremamente prestativa e
honesta. Se alguém lhe entregava cem reais para trocar, ele revirava Natal
todinha. Voltava no outro dia, se fosse o caso, mas, com o mesmo valor trocado.
Sempre oferecendo seu sorriso, porem, incompreendido no ambiente menor, onde se
“sentia em casa”. Já há algum tempo andava com um “bucho quebrado”, o rosto se
desfigurando, pés e pernas inchadas. Já não era mais tão “vaidosa”... Hoje eu soube que fez a Grande Viagem. Voltou a
“casa do Pai”. Foi prestar contas de sua passagem neste Planeta onde é
preferível matar a tentar salvar uma vida - onde milhões são gastos com festas,
enquanto muitos morrem por falta de um hospital para ser atendido. Onde existe
um “demônio” capaz de lançar um foguete para atingir um avião com mais de
duzentas vidas viajando. Lá se foi Gardênia e ficamos nós. De uma coisa
tenho certeza, o Baile das Kengas jamais será o mesmo sem a sua presença -
mesmo que discreta - abrilhantando, com suas idas e vindas, entre os foliões. E
minha pergunta que fica é: o que será do Beco da Lama, agora um pobre beco, sem
a sua figura maior, irreverentemente alegre e timidamente descontraída? - fcésar
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